terça-feira, 2 de novembro de 2010

Sobre as eleições de 2010

Desde o início me posicionei na trincheira da oposição e apoiei José Serra. Não é um alinhamento automático e acrítico, mas estou convencido de que teria sido melhor para o Brasil. Acredito plenamente nisso.

Mas gostaria de tecer alguns comentários a título de reflexão e para deixar o registro antes que o tempo apague as impressões.

Essas eleições foram marcadas por alguns fatos importantes, os quais enimero a seguir:

1) Lula e o PT começaram a campanha desde antes da posse em 2002. Toda a agenda do governo e do Estado foi colocada a serviço do continuísmo. Alguns exemplos: a aliança com o PMDB, a Carta ao Povo Brasileiro, o respeito à herança das grandes linhas (econômicas e sociais) do governo FHC e o aparelhamento do Estado. Tudo isso já tinha o propósito da perpetuação no poder.

2) O céu de brigadeiro na economia internacional com taxas de juros baixíssimas e com forte demanda de produtos agrícolas e inundaram o Brasil com recursos que fincaram a âncora cambial. Mesmo com a crise de 2008, a realidade é que o Brasil não sofreu estrangulamento financeiro. A inflação se comportou, a dívida pública foi rolada com facilidade e a receita tributária alcançou níveis muito altos.

3) Com isso no governo Lula houve um aumento significativo na renda, no emprego e no crédito. Os programas ditos sociais, notadamente o Bolsa-Família, acrescentou uma sensação de bem-estar e riqueza que a população não via desde o Plano Real. A política de reajustes reais do salário mínimo e de aposentadorias e o inchaço do emprego público completaram o impulso do consumo que fez a felicidade das famílias e das empresas.

4) Esse cenário favorável inevitavelmente foi associado ao governo Lula. A verdade é que a grande massa não tem conhecimento suficiente para fazer essa análise. E boa parte do eleitorado do PT e do PMDB provem exatamente desses grotões em que reinam o clientelismo, a ignorância e o fascínio pelo símbolo que Lula (ainda) representa.

5) O Lula conseguiu reunir em torno da candidatura de Dilma de maneira bem fiel o que há de pior na política brasileira. Mas a disciplina regada e comprada com farto dinheiro público e privado proporcionou uma marcha sem muitas dispersões.

6) Nesse ponto, precisamos entender o que houve com a oposição. Até por que, faltou argumentos, motivos e matéria-prima para a oposição. Em pouco tempo o rolo compressor do governo capturou quem ousasse ou quisesse fazer oposição.

De um modo ou de outro todas as vozes se calaram. Por covardia, por omissão ou por estarem compradas. Ou por acreditarem que o governo faria uma barberagem ou que uma onda externa negativa faria o estrago de um tsunami.

O pouco de oposição que tínhamos errou. A vitória de Lula foi consequencia dessa omissão.

7) Como a sensação geral de bem estar tomou conta ninguém ousou cobrar de maneira firme a agenda perdida: as mudanças que o Brasil tanto precisa: reforma eleitoral, tributária, financeira, infraestrutura, a privatização, e a corrupção endêmica.

8) Aliás sobre esse último aspecto, Lula conseguiu nivelar por baixo. Fez que crer que mesmo a oposição tinha seus vícios e defeitos. A oposição não conseguiu desmentir. Ficou a sensação de rabo preso desde o episódio do mensalão.

9) Sobre a privatização foi (novamente) patético ver o Serra defender os monstrengos estatais e esconder o bom trabalho que o FH fez nessa área. Só faltou aquele coletinho ridículo que o Alckimin vestiu em 2006.

10) A falta de cimento nas hostes oposicionistas ficou claro no pálido apoio de algumas lideranças importantes no primeiro turno, marcadamente a de Aécio Neves.

11) Merecem registros dois fatos importantes. A tenacidade do candidato Serra e a surpreendente mudança no seu temperamento. Deixou aquele perfil desagregador e buscou (e conseguiu) ser muito mais flexível e humilde. Se não logrou aproximação de alguns líderes não foi por culpa sua.

12) Geraldo Alckimin foi, de longe, o grande vencedor. Não porque tenha sido eleito governador do maior estado do Brasil. Me impressionou a atitude digna, a disciplina e a atitude em relação a Serra. Honrou seus compromissos de maneira dedicada e teve uma postura que o engrandeceu. Jogou o tempo todo a favor de Serra mesmo correndo risco de perder votos com essa atitude. Nesse cenário de poucos mocinhos, ele foi estadista.

13) A questão do ficha limpa serviu como ponto alto para colocar a discussão da agenda, mas até agora fez mais fumaça que fogo. Acabou desnudando a grave crise no judiciário e sua representatividade. O TSE parece uma corte dependente e insegura.